domingo, 26 de maio de 2013

Ático: um homem de palavras

“Eu não sou sineiro de mim mesmo”, dispara, com convincente modéstia, Ático Frota Vilas-Boas da Mota, ou Professor Ático, como prefere ser chamado. Seu Ático, jamais! “Lembro que quando me chamaram de Seu Ático pela primeira vez, ainda jovem, tomei um susto enorme”, recorda-se o octogenário para quem saber envelhecer é uma arte que se deve aprender ainda na juventude. “A natureza é sábia. Faz o homem envelhecer lentamente, como uma árvore que vai perdendo as folhas pouco a pouco”, reflete.

Professor Ático, patrimônio de Macaúbas
[Foto por Alex Oliveira]

A vaidade, tão característica dos grandes vultos intelectuais, como Prof. Ático, é tema recorrente nas suas falas. Na vidraça onde estão expostos seus inúmeros diplomas e títulos, lê-se: “Grande lição deste mostruário: Vaidade, vaidade e tudo é vaidade (Eclesiastes 1,2)”. Seria quase uma ironia, não fosse um sábio mea-culpa desse kardecista, segundo o qual “o homem que acredita ser alguma coisa está totalmente enganado; somos todos passageiros do mundo”.

Prof. Ático soube e sabe passar pelo mundo: é escritor, folclorista, historiador, tradutor e professor universitário aposentado. Seu currículo é tão extenso quanto seu acervo de livros e quadros. Doutor em Filologia Românica pela Universidade de São Paulo, foi cofundador e vice-diretor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás, professor e pró-reitor da Universidade de Bucareste (Romênia), além de membro de diversas academias de letras do Brasil.

“Me apaixonei pela Romênia quando descobri que aquele país nunca guerreou para atacar, apenas para se defender”, conta. Condecorado pelo governo romeno com o título de “comendador pelos serviços fielmente prestados”, Prof. Ático tem hoje um dos maiores acervos sobre a cultura e a literatura romenas no Brasil. “Recebi o embaixador da Romênia em minha casa, que, segundo o protocolo, deveria antes ter ido a Salvador”, lembra, com alguma satisfação. É autor dos títulos Momentos da História dos Romenos, Romênia, Poemário Telúrico e Brasil e Romênia: Pontes Culturais, dentre tantos outros. Sua paixão se estende ainda à cultura dos ciganos e ao romeni, língua daquele povo.

Cada cômodo da sua casa em Macaúbas, praticamente uma fundação pronta, guarda o tamanho da paixão de Prof. Ático pelos seus objetos de estudo. Uma coleção incontável de pinturas, esculturas e livros extasia e até intimida. Numa enorme estante azul, dezenas de gavetas repletas de fichas guardam, numa espécie de HD à moda antiga, as anotações de Prof. Ático sobre gírias. Organizados por cidade, centenas de livros preservam parte importante da história e da cultura de Macaúbas e do Território da Bacia do Paramirim.

Uma das tantas mesas espalhadas pela casa, demonstrando a disposição permanente do professor para os estudos e a produção de conhecimento
[Foto por Alex Oliveira]

Milhares de títulos fazem uma ampla biblioteca sediada no lar
[Foto por Alex Oliveira]


Também muitos quadros enfeitam o local. "Todos eles são igualmente valiosos, porque são presentes que ganhei", diz o dono da casa
[Foto por Alex Oliveira]

Prof. Ático é, aliás, um homem à moda antiga, incrivelmente lúcido e atual nas suas divagações. Os seus protocolos significam mais gentileza e hospitalidade do que meras formalidades. Gosta de receber bem, de sentar (literalmente!) para boas rodas de conversa e, sobretudo, de falar. E fala sobre tudo: de como os prefeitos são os grandes sabotadores da República às características do neocoronelismo, que, segundo ele, ainda impera no Brasil. “O desnível cultural no Brasil é inimaginável. Seria bom se muitos acadêmicos trocassem seus mestrados e doutorados por incursões no nosso interior, tão desconhecido”, sugere.

Piadista, Prof. Ático sabe também arrancar boas risadas. Os segredos de tamanha jovialidade mental se devem certamente ao seu inacreditável repertório cultural, ao seu boníssimo humor e à “superingestão de água, obrigatória depois dos 40 anos”, recomenda. Carinhoso, convidou a equipe do FUNCEB ITINERANTE para um jantar meticulosamente preparado, regado a prosa solta e muita cortesia. “A senhora Nehle Franke vai se sentar à cabeceira da mesa e a aniversariante Dora, ao seu lado”, coordena, cavalheiro. Entre timidez e lisonja, todos acatam. “Vocês já repararam que desde que vocês entraram por aquela porta, já é passado?”, nos faz pensar. Ainda reflexivos, ouvimos: “Vocês ainda não se foram e eu já estou com saudade”. Como ciganos, fazemos nosso caminho de volta, com o convite para ocuparmos, tão logo, o seu quarto de hóspedes.